12/05/08

eu não quero ser o Ken

Anteontem foi dia de festa. Foi o aniversário de uma querida amiga, daquelas que fazem parte das minhas entranhas. Quem se der ao trabalho de ler estes textos, ou mesmo eu, que os escrevo, dou-me conta que as minhas entranhas estão bem preenchidas. Deve ser porque sou um homem bom, ou, um bom homem, dependendo da perspectiva. Antes de mais, quarenta anos exactos é uma data a festejar, parece-me, com roupa de gala, num lugar a condizer, champanhe e tudo o demais associado. E aconteceu aquilo tudo, a aniversariante chegou deslumbrante, com um vestido com um grande decote, porém conveniente, de saltos altos, daqueles mesmo altos, ela que já é alta, ultrapassava o metro e oitenta, estava mais bonita do que nunca. Veio acompanhada pela mãe, com um amigo alfacinha, com um senhor de idade e a sua filha recém sozinha. Vieram depois os amigos e os outros interessados, já explico. Finalmente, apareceram duas barbies, as amigas extravagantes como antes a aniversariante explicou para não surpresa dos outros. Sem sucesso, o pasmo apoderou-se de todos quando as barbies entraram em cena. Como não sou rapaz de grandes inibições acho que é mesmo directo ao ponto que terei de seguir em frente. Assim será. A aniversariante e a mãe estavam muito graciosas, a mãe estava elegante, a J. estava linda. Eu e a R., descontraídos, cúmplices como nos velhos tempos (já estava com saudade). Velhas conhecidas da faculdade, a A. e o marido, a T., discretos, atentos, simpáticos. Uma amiga da J., professora de literatura, respectivo marido, interessantes, vivos, saíram cedo, tinham uma viagem de trezentos quilómetros ainda. Depois, depois são os outros interessados, como já disse, como disse a aniversariante num texto que fez questão de ler antes do champanhe. Há ainda um, não referido no texto da aniversariante, nem ainda aqui, mas que foi o ignorado. E, claro, as barbies. As barbies que gostavam mesmo de serem chamadas de barbies e intitulavam-se como tal. Eram duas, as últimas a chegar, as que causaram maior impacto, pelos piores motivos. Uma ruiva e a outra loira, ambas platinadas. Absolutamente fabulosas, de mau gosto. Absolutamente gastas, tristes, perdidas, o resultado do consumo imediato, onde tudo é fútil, nada construído com valia, não por culpa delas mas resultado desta agremiação de aparência. Óbvios, os outros interessados mantiveram-se perto das barbies, o ignorado ao lado da aniversariante. Óbvio, também, o quarentão casado abandonado cujo brilho nos olhos denunciava que tudo que mexesse resultaria em efervescência. Óbvio, ainda, a junção dos supostamente equilibrados em lugares próximos, em conversas sobre família. Ainda, a filha do mais velho convidado, também ela na luta dos seus quarenta anos recém sozinha, tentando aproximar os interessados, mais o ignorado, da aniversariante quando o que ela pretendia era a aproximação de algum desinteressado por ela própria. Não havia nenhum, contudo, para ela, infortúnio dela Ora bem, no meio de tudo isto, festejavam-se os quarenta anos da aniversariante e os demais convidados estavam quase todos perdidos nos seus próprios quarenta anos. Ou sozinhos, ou interessados, ou ignorados, ou infelizes, ou estranhamente contentes no seu descontentamento. O pior ou o melhor de tudo isto é que ainda, perante os factos descritos, afirmaram-me quão ridículo é pretender ser o Ken. O aniversário foi bonito para a aniversariante, importa algo mais? A aniversariante estava feliz, importa algo mais?


- Does Barbie come with Ken?
- No. She fucks with Ken, but she only comes with Action Man.

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