Aventuras domésticas sem qualquer preconceito, apenas risíveis, ou não. Apetecíveis, pelo menos para mim, para contar, para memorizar, pena o esquecimento dos diversos detalhes sucessivos e em catadupa ao longo destes, bom, já doze anos. A última aventura acabou segunda-feira, com a décima primeira, em média, portanto, de uma empregada doméstica por ano. Só esta última é que foi despedida, todas as anteriores se foram despedindo. E não é para rir, despediram-se todas pelos motivos mais díspares, mais inacreditáveis, nunca porque tivessem razões, antes, arranjavam-nas sempre. Com excepção desta última que foi despedida segunda-feira. Mas já volto aqui! Antes, dois ou três, ou os que me for lembrando, pormenores ao longo destes doze anos. Um dos primeiros acontecimentos, uma das primeiras empregadas, afirmou, quando entrou adentro da minha própria casa, que só a cozinha dela era maior do que “esta sala”. Assim, sem mais, apenas porque lhe apeteceu dizer. A sala em questão não era pequena, se fosse ainda se compreendia a observação. Mas não era. Logo a seguir, quando questionada sobre o que sabia fazer, respondeu, de imediato, eu, o que sei fazer, muito pouca coisa. E então, observando os electrodomésticos da cozinha, afirmou: estas coisas modernas nem lhes toco, não os sei limpar, ainda se estragam! Isto é o micro-ondas? Questionou. Eu não o sei limpar, nem nunca o vou limpar. Apesar do pesar, ficou um a dois meses. Inexperiência nossa, ao contratá-la. Não é que não soubesse fazer nada, não queria era nada fazer. Enfim, por ela própria desistiu. Afirmou que aquilo não era bem para ela, que se ia casar e que não precisava muito de trabalhar. Explicação razoável (?!). Encontrei-a, eu, um dia destes, passados estes doze anos, na casa da vizinha do lado, a trabalhar, como empregada doméstica. Quando me viu, porque já estamos a falar numa outra casa, num outro prédio, sorriu e baixou a cabeça. E agora baixa sempre a cabeça quando me vê. Não sei bem porquê. Esqueci-me de um pequeno detalhe: vinha trabalhar num Audi qualquer coisa, não que não o pudesse ter, claro, apenas preconceito meu. Já que a primeira correu mal, por falta de experiência, pensávamos nós, decidiu-se pela contratação de uma verdadeira profissional, daquelas com o verdadeiro saber da coisa: que soubessem limpar, passar e cozinhar e com experiência anterior. Bom, não foi logo de imediato. A primeira “experiente” decidiu no próprio dia que as horas propostas não eram as suficientes, vá lá, boa razão, queria trabalhar mais para ganhar mais. Nada mais razoável. Mas não, acrescentou ela, não era só por isso, não era sobretudo por isso, era porque a casa não era suficientemente espaçosa para ela poder mexer-se como estava acostumada em casas anteriores. Depois da sala pequena, esta razão pareceu-me, no mínimo, estranha. A casa era uma casa, com cento e alguns metros quadrados, para três pessoas. Caricato, porque depois de eu mudar de casa a escusa é porque a casa era demasiado grande e dava muito trabalho. Nem vale a pena comentar. Enfim! Veio outra, logo a seguir, com referências, com muito saber, até cozinhar fazia muito bem. Sol de pouca dura. Começou em Outubro e terminou no final do ano. Razão: de 24 de Dezembro a 2 de Janeiro, sem avisar, desapareceu. No dia 3, quando retomou o serviço, questionada sobre o motivo da sua ausência não anunciada, gritou: “eu nunca trabalhei em nenhum sítio entre o Natal e o Ano Novo, era o que mais faltava”. Disse, ainda: “e olhe, o meu marido vem aqui falar consigo, quem me devia perguntar o que quer que fosse deveria ser a doutora, não o doutor”. Pasmo. Fiquei sem resposta e jurei nunca mais dizer nada. E cumpri, até agora. Foi-se embora, de imediato, sem qualquer justificação. De seguida, apareceu uma pequena ladra. Começou a desaparecer a comida toda. Quando questionada sobre um colar desaparecido afirmou não saber dele. No dia seguinte o colar estava colocado debaixo de uma mesa, referiu ela, descoberto por ela. Curiosamente, a mesa em questão era colada ao chão, impossível de estar lá o que quer que seja, a não ser pó. Nesse mesmo dia quis ir embora. Depois de muitas aventuras lá apareceu a melhor de todas e a que se manteve ao longo de seis anos. Era calma, calada, e ia fazendo todo o trabalho em condições mais ou menos normais. Faltava muito, mal nos respondia, mas nem isso importava, estava farto de aturar sucessivas empregadas, sucessivos despedimentos, sucessivos desvarios. Aconteceram duas coisas absolutamente extraordinárias com esta eleita a melhor. Isso além do facto de me chamar Santo António, uma vez que não sabia bem, dizia ela, se eu era Doutor ou Engenheiro. O Santo pareceu-lhe bem. Nem adianta explicar que eu tentei dizer-lhe que não valia a pena tratamento nenhum, nem eu fazia questão. Senhor parecia-me bem, ela achou melhor Santo. A primeira coisa extraordinária foi motivada por uma falta. Enviou uma mensagem multimédia (não para mim) a referir que estava doente, conforme se poderia comprovar pela fotografia que acompanhava a mensagem. Tratava-se da fotografia da dita, deitada, quase nua, na sua cama, com as suas belas coxas em primeiro plano e com um ar muito sofrido e de quem estava realmente doente. Essa fotografia está guardada. Trata-se de uma verdadeira pérola. Acho que só aquele que é casado com uma Lady qualquer é que se lembraria de tal. A segunda coisa extraordinária foi o seu abandono, a sua retirada de cena. Após seis anos de trabalho, sem quaisquer explicações, deixou um bilhete, dirigido ao Santo António (estava mesmo assim escrito) e Senhora Doutora, a referir que tinha muita pena, que gostava muito de nós todos, mas que a mãe estava doente e que tinha de a acompanhar. Ainda tentamos contactá-la, nem que fosse para lhe pagar, mas nunca atendeu as chamadas. Não veio receber e nunca mais deu notícias. Chegou a altura da décima primeira, aquela que ficou pelo início desta história. Era um portento, um verdadeiro vulcão. Não que o peso interesse mas andava pelos cem quilos. Começou em Junho de 2007 e foi embora agora. Esta foi despedida. A única despedida. Após sucessivos episódios, de alguma importância mas, vá lá, sempre ultrapassáveis, decidiu dar à conversa com os porteiros, com as empregadas dos vizinhos do lado, de baixo, da frente, de trás, enfim, com quem lhe aparecesse pela frente e a quisesse ouvir. Até com a sogra de um ilustre senhor público (bom, esta desta sogra fica para nunca mais lhe dirigir palavra, de eu para ela). O tema, suponho que entre outros: o Santo António. Convém acrescentar que eu tenho esta tendência, de estar e ficar envolvido nas situações mais estranhas e mais caricatas sem perceber muito bem como e porquê (não é, Busto?). Convém também acrescentar que, enquanto permanecem nas limpezas, ninguém está em casa, limpam, passam, cozinham, mexem, sem que ninguém possa ver, sem que ninguém as possa chatear. Eu, pelo menos, nem respiro perto delas com receio de que qualquer suspiro as leve a ficar melindradas. Isto desde a conversa que tive com a que me ameaçou com o marido. O Santo António, a esta última, não lhe parecia um Santo, como a outra, mas antes um, como dizer, demónio, um demónio apetecível, para ela e segundo ela. Disse-o, ao Santo e afirmou-o à mulher do Santo. Resultado: quando despedida, não se calou e pediu desculpa pelos pensamentos pecaminosos que lhe iam na cabeça. Que se ia confessar, que se ia penitenciar e que não voltaria a fazer. Que se quisessem ela até continuaria. Eu não tenho palavras para descrever mais sobre este último episódio. De tudo isto resulta que desde terça-feira a empregada sou eu, somos nós. Até ver. Estamos a fazer entrevistas. Desta vez queremos curriculum vitae.
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