31/05/09

Caos Calmo



Será este “Caos Calmo” uma variação de “O Quarto do Filho” a obra-prima de Nanni Moretti? Não me parece, apesar de ser opinião generalizada, do que li sobre o filme. Nanni Moretti diz: “Vejo-o como uma história sobre a possibilidade de pararmos. Aquele pouco que se pode mudar na vida não se muda por um processo racional; muda-se porque acontecem coisas, muito dolorosas ou muito belas. E essas, às vezes, são ocasiões para se mudar um pouco, esse pouco que podemos mudar.” “Caos Calmo” aborda a questão do luto mas é mais centrado sobre a questão de pararmos para reflectirmos ou só para não pensarmos. E a vida não nos permite isso, se paramos somos substituídos, somos marginalizados, alguém ocupa o nosso lugar. E é esse o medo de parar. E é essa questão, essa reflexão, essa ausência de acção, que gostei do filme e no filme. Às vezes é bom parar, ajuda-nos a pensar e a alterar coisas na nossa vida que nem percebemos estar mal porque estamos demasiado ocupados para pensar sobre nós, porque não temos tempo de parar para não pensar. Interessante o título do filme, do livro, um caos numa aparência de calma sentada num banco de jardim. A calma aparente, o caos interior. O caos da personagem de Nanni Moretti (Pietro Paladini) e das personagens que o procuram no banco onde está sentado para desabafarem todos os seus problemas. Interessante, ainda, todo o filme ser centrado na personagem de Nanni Moretti (entra em todas as cenas) e os únicos desvios da nossa atenção sobre as suas reflexões (mais uma espécie de ausência de reflexões, só parar para pensar sem querer falar do que pensa – está sempre a mandar calar as pessoas quando o incitam a reagir) é a entrada em cena de Roman Polanski e a cena de sexo entre Nanni Moretti e a personagem da mulher (Isabella Ferrari) que ele salva de ser afogada no início do filme (enquanto a sua própria mulher, noutro local, morre e ele se torna viúvo). Interessante, ainda, perceber que o cinema está cada vez mais presente na minha vida. Hoje, que faço anos, todas estas questões planavam na minha cabeça antes mesmo de ver o filme e sem saber o que ia ver. Eu já tive esta paragem, noutros tempos, há vinte anos atrás. Por razões muito dolorosas, parei. E essa paragem ajudou-me a alterar coisas na minha vida. E foi essa paragem que modificou a minha vida, nessa altura, e com consequências até à data de hoje. Hoje que faço anos e que não me apetece parar. Hoje, mais do que nunca, apetece-me correr. Desmedidamente, até onde me for permitido e, mais do que isso, até onde me apetecer correr. A nossa vontade é sempre superior à vontade dos outros. Ninguém nos faz parar a não ser que o permitamos. E essa vontade de correr que tenho hoje é para um dia, se precisar, se quiser, se tiver querer, possa parar novamente para poder reflectir sobre o que foi ou é a minha vida. Ou para não pensar em nada. São sempre as inconfidências aliadas aos filmes, à vida dos outros, à minha própria vida. Hoje faço anos e quero correr.

Caos Calmo, 2008
Antonello Luigi Grimaldi

Nota adicional: acrescento que a nossa, a minha atenção, é também desviada quando surge em cena a rapariga a passear o São-bernardo. Que visão!




28/05/09

Liberdade

Liberdade

— Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia. Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga, in 'Diário XII'

26/05/09

Lars Von Trier


Atracção / Repulsa sempre abanou os meus neurónios. Este cartaz está repugnantemente atractivo. Assim como tudo o que faz Lars Von Trier. Remexer no que há de pior em nós pessoas pode tornar filmes “repulsivos” em “atracções” extremas. Pelo que li sobre o filme, parece que desta vez vai surgir o vómito. Não são só os neurónios, o estômago também se ressente. Venha ! Venho-me ! Mesmo que seja de um neurótico que afirma ser o melhor cineasta do mundo.
1. "Eu acho que não preciso justificar nada”;
2. "Eu não preciso me justificar. Eu faço filmes para mim mesmo. Aqui vocês são meus convidados, não o contrário”;
3. "Eu nunca tenho uma escolha, acho que é a mão de Deus. E, sim, eu sou o melhor director de cinema do mundo”.
Lars Von Trier
Cannes 2009

25/05/09

notas soltas







Brilhantes, audazes, aterradores, malditos, inteligentes, geniais, extraordinários, cineastas singulares, ou seja, tudo o que fazem eu quero ver. Estiveram todos em Cannes, a Palme d´Or foi para Haneke. Arena ! Afinal Chelas ganhou em Cannes. Isabelle Huppert, Madame President, woman of many faces. Indeed ! Charlotte Gainsbourg, de Jane Eyre (sempre imaginei a personagem do livro de Charlotte Brontë igual a Charlotte Gainsbourg), a heroína maltratada romântica do Século XIX, a mulher a praticar cenas de mutilação sexual explícita para as câmaras. Quero ver isto tudo! Se a curiosidade matasse o gato o gato já estaria morto.

24/05/09

MP/MMG

Em primeiro lugar foi o impacto. Depois o riso. Depois a curiosidade em saber da opinião alheia sobre a telenovela MP/MMG. A música de Jorge Palma, Deixa-me Rir, é a mais apropriada, se quisermos associar música ao evento. E o que este país gosta deste género de proscénios! O país está desejoso de discórdias, de escândalos, de despeitos, de indecência, de cabrões expiatórios, o país queria que Manuela Moura Guedes fosse insultada publicamente e Marinho Pinto fez a vontade à nação. E o povo aplaude, claro, poucos seriam capazes, poucos, também, desceriam àquele estado (por mais não fosse, pelo tão adulado politicamente correcto). Não posso deixar de aplaudir a coragem (pública) mas tenho de repudiar, veementemente, a forma arruaceira como tudo se passou. Marinho Pinto disse tudo com razão. Manuela Moura Guedes é (quase) tudo o que ele disse. Ao dizê-lo, ao ter coragem de o ter feito, ou só porque ela o provocou até ao tutano (como faz com quase todos), o povo aplaudiu-o e os seus adversários também. Afinal, também aqueles gostaram que a sua fama de arruaceiro fosse bem visível aos olhos do povinho. É tudo muitíssimo triste. Este país anda de candeias às avessas. Por mim, a Manuela Moura Guedes pode continuar com as suas plásticas e com a sua arrogância (só demonstra que é fraca e burra) e que Marinho Pinto continue a ser quem dirige a minha classe (até lhe acho alguma piada e de burro tem muito pouco). Não há aplausos para ninguém, nem apupos, apenas a música de Jorge Palma entoa na minha cabeça.

23/05/09

João Bénard da Costa


João Bénard da Costa, director da Cinemateca de 1991 a Janeiro deste ano, morreu no dia 21 de Maio de 2009 e foi a sepultar ontem, 22 de Maio de 2009. Tinha 74 anos. E gostava dos mesmos filmes que eu. Não curiosamente nem coincidentemente. Os filmes de que ele gostava, os filmes da vida dele, são também os meus, porque são os melhores filmes de todos os tempos. Embora subjectivo e criticável, os melhores filmes são sempre os melhores filmes. E ponto final. Gostei do que escreveu Miguel Esteves Cardoso - "Deus, apresento-Te João Bénard. João Bénard, apresento-te Deus.". Não posso dizer melhor do que está escrito aqui. Fica o filme da vida dele em imagem que é também um dos meus. Deus, vais privar com um grande homem ! Quando for grande gostava de ser como ele.



1935 - 2009

21/05/09

que força é essa

A do Sérgio Godinho é a de baixo.
A minha é outra.
São sempre diferentes.
Sem mais, ou com muito mais.
Eu sei. Sinto-a !
É cada vez maior, mesmo quando enfraquece.
Vi-te a trabalhar o dia inteiro
construir as cidades pr'ós outros
carregar pedras, desperdiçar
muita força pra pouco dinheiro
Que força é essa
que trazes nos braços
que só te serve para obedecer
que só te manda obedecer
Que força é essa, amigo
que te põe de bem com outros e de mal contigo
Que força é essa, amigo
Não me digas que não me compr'endes
quando os dias se tornam azedos
não me digas que nunca sentiste
uma força a crescer-te nos dedos
se uma raiva a nascer-te nos dentes
Sérgio Godinho
1971

17/05/09

Changeling



Changeling é um filme surpreendente em muitos aspectos, um filme que nos confessa, já nem é preciso, Clint Eastwood o grande cineasta, um dos melhores do mundo, um grande homem, um homem com uma sensibilidade libertadora.

1. Se não fosse a história ser verídica o argumento pareceria tão ridículo, de tão absurda, macabra, e assustadoramente cruel vida de uma mãe que perdeu um filho e a quem a polícia oferece um outro em troca. A vida ultrapassa sempre a ficção.
2. Se não fosse Clint Eastwood a contar esta história no cinema poderia ser um daqueles filmes menores que contam histórias baseadas na desgraça alheia – neste caso, uma desgraça com enormes repercussões nos finais dos anos vinte em Los Angeles.
3. E se este é um dos filmes menores de Clint Eastwood (como já li), a história da personagem de Angelina Jolie (Christine Collins) torna-se maior precisamente por ser filmada por ele.
4. Angelina Jolie merecedora da nomeação ao Óscar, na minha opinião bem melhor que Kate Winslet. O estigma da “mulher mais bela do mundo”. O preconceito não permite avaliar com a maior objectividade possível. Não concordo com nenhum dos dois epítetos , nem o da mais bela nem o de cair no erro de ir por esse caminho.
5. Vi antes deste Gran Torino – obra-prima absoluta – e, embora menor (como também acho), Changeling parece-me um grande filme. Não é fácil transformar uma história verdadeira e monstruosa como esta num filme que não caia na mediocridade. Isso nunca acontece, nem poderia, pronunciamos o nome de Clint Eastwood.

Changeling é um filme surpreendente, nestes aspectos todos e em mais alguns, um filme menor tornado maior, um filme a não perder. Filmes maiores ou menores nem existem. Um grande filme, só.

Changeling, 2008
Clint Eastwood

14/05/09

Graça Morais



Este choro está comigo, este e outros. Mas este está bem comigo em casa.
Choro pelo massacre em Timor.
1999

12/05/09

aniversário



Um ano. Brincadeiras perigosas. Não as do filme aqui ao lado mas um ano a dizer literalmente o que me vai na real gana. Às vezes é bem mais perigoso do que no filme. E que grande filme! Bom, não me vou despedir a mim próprio. Continuo. Até que não me apeteça mais. Já não é nada mau!

10/05/09

...

O Padre António Vieira afirmou que: "o ofício e obrigação dos poetas não é dizerem as coisas como foram, mas pintarem-nas como haviam de ser ou como era bem que fossem". Embora tratando-se de uma metáfora, o ofício e obrigação dos poetas não é mais do que transmitir com atenção, com nobreza, com extraordinária ciência e beleza, os nossos mais puros sentimentos com poucas palavras e com grande emoção. O belo. O brutal. Isto é poesia. Isto é ser poeta. Padre António Vieira, um dos mais influentes personagens do século XVII, defensor incansável dos direitos humanos, afirmou ainda que: "as lágrimas são o mais vivo do sentimento, porque são o destilado da dor; são o mais encarecido dos louvores, porque são o preço da estimação; são o mais efectivo da consolação, porque são o alívio da natureza". Existirá alguma dúvida que os poetas, a poesia, são os melhores transmissores da mais complexa energia dos nossos pensamentos?

Walt Whitman


Esta manhã, antes do alvorecer, subi numa colina para admirar

o céu povoado,

E disse à minha alma: Quando abarcarmos esses mundos

e o conhecimento e o prazer que encerram, estaremos finalmente fartos e satisfeitos?

E minha alma disse: Não, uma vez alcançados esses mundos prosseguiremos no caminho.

09/05/09

...

"Há muito, muito tempo, era eu uma criança", os Trovante faziam parte da minha vida. Da nossa vida, da vida dos meus mais estimados amigos. Uma noite, guardo ainda fotografias, passamos essa noite quase perfeita num bar do Porto (Marechal) com o Luís Represas e o Manuel Faria. O quase era porque estava lá a Rita Guerra e ainda porque hoje já não consigo ouvir o Luís Represas. Velhos tempos, tempos posteriores aos mais antigos, tempos em que os Trovante já se aproximavam do fim. Antes, nos tempos em que era eu ainda uma criança, assisti a todos os seus concertos no Porto. Eu, e os meus mais estimados amigos que ainda o são. Uma delas, ali em baixo, a dos Maus Hábitos. Os concertos acabavam sempre, ou quase sempre, com a música e o poema Fim, ali em baixo também. E eu, eu não quero ir de burro! O Mário de Sá Carneiro, um dos meus maiores poetas, não estava certo. O fim para mim é sempre o começo de grandes coisas. Espero. Sempre. No dia 12 de Maio isto faz um ano. O fim nunca é o que parece. É sempre melhor. Espero. Sempre.

Fim

Fim

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro

07/05/09

Golden Girls

Numa altura em que o leitor de video (o meu leitor de video) voltou a funcionar posso rever milhares de filmes, autênticas preciosidades guardadas em VHS. Comecei, como ando com milhares de coisas, por rever Golden Girls para me rir a bom rir. E o que eu tenho rido! E o que nós nos temos rido! Sim, considero esta série uma autêntica preciosidade. As quatro actrizes são absolutamente incríveis, as personagens hilariantes, e o bom humor é mesmo assim: rir, rir muito, que é coisa que faz falta a tanta gente. As gentes têm vergonha, uma vergonha vergonhosa, de gostar e rir de coisas consideradas (eventualmente) menores. Pior, de gostar mas não afirmar. Ao mesmo tempo, fiquei a saber que a actriz que interpretava a personagem Dorothy Petrilo Zbornak, Beatrice Arthur , morreu no passado dia 25 de Abril de 2009. E o meu rir esmoreceu. Contrapondo, e continuando a rever a série, e já depois de saber da sua morte, é bom perceber que há pessoas que nunca morrem. E o meu rir, sendo assim, continua em força.

03/05/09

Gene Tierney

Uma das mais belas actrizes de sempre: Gene Tierney.
Um dos melhores filmes (in the mystery genre) de todos os tempos: Laura.

O passado inacessível. O presente construção. O futuro achamento. A beleza intemporal.
Laura, 1944
Otto Preminger