28/07/08

França - Reino Unido

Gosto de ver filmes acompanhado. Gosto de discutir os filmes, no fim, como o último que vi, acabou o filme e calhou dizer (disse mesmo) que não percebi nada. Este fim-de-semana vi dois filmes, especialmente dois filmes – pura coincidência – que valeram a pena sobretudo pela excelência dos actores. Um de Alain Resnais e outro de Kenneth Branagh. Por um lado, França; por outro, Reino Unido. E, não curiosamente, cada um dos filmes afim ao seu país de origem embora o filme de Kenneth Branagh seja um remake de um filme americano (Joseph L. Mankiewicz, 1972).

Coeurs, Corações, de Alain Resnais, é um filme sobre solidão, a solidão e o total desamparo em que acabam por cair as existências actuais. Uma visão sobre a desilusão, sobre a decepção do modo como muitas vezes as pessoas acabam por conduzir as suas vidas. Um filme sombrio, onde todas as personagens trazem para dentro de si a neve que cai lá fora. O frio, o gelo, a neve sempre a cair, a neve lá fora, dentro das casas e nos corações de todas as personagens. Os flocos de neve sempre a planarem. Nunca para de nevar. Os actores, mais do que cintilantes, avassaladores, carregando todos uma tristeza e uma solidão insustentável. Sabine Azéma, a falsa puritana, carrega a bíblia como a sua tábua de salvação. Laura Morante, belíssima e tristíssima. Lambert Wilson perdido na bebida, no desconcerto da idade e no vazio repentino em que se tornou a sua vida. Isabelle Carré demasiado nova para a solidão, ou talvez não. Os mais velhos, Pierre Arditi e André Dusrollier, ainda mais sozinhos, ainda mais perdidos, a esperança para eles parece circunscrita a nada. Alain Resnais assim tão desiludido com a vida?

Coeurs, 2006
Alain Resnais


Sleuth, Autópsia de um Crime, de Kenneth Branagh, é um verdadeiro duelo entre dois grandes actores (Michael Caine e Jude Law), com uma rigorosa realização e com um texto como eu aprecio – aparentemente vulgar (“eu sei que você anda a foder a minha mulher”) mas carregado de emoção (Harold Pinter - prémio Nobel da Literatura 2005). O duelo é tão atordoante, tão rápido, que nem nos damos conta que tudo está a fugir à nossa análise. Quem é quem, o que se passa aqui, de que lado estou, quem é que quero que morra, quem é que quero que sobreviva? Afinal, onde está a razão de tamanho duelo, onde está a mulher por quem aqueles dois homens lutam, enfim, nem está em lado nenhum, a razão do combate já nem interessa, o vórtice instalou-se. Se, por um lado, Michael Caine consegue surpreender, sempre a excelência, por outro lado, confesso, Jude Law ultrapassou tudo aquilo que eu poderia imaginar. De cena para cena, de close-up em close-up, aparecem sucessivamente várias facetas de uma única personagem, de repente parece estar a interpretar várias, a um ritmo tal que nos deixa absolutamente baralhados. O filme acabou e só me ocorreu dizer que não percebi nada. Ou melhor, percebi que o que era para perceber era não perceber muita coisa. Entretenimento também é isso.

Sleuth, 2007
Kenneth Branagh

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