08/03/09

Slumdog Millionaire

Ontem vi Slumdog Millionaire. No fim, não por acaso, não soube reflectir sobre o filme tão atordoado estava com sucessão de cenas/versão alucinante, sequência de video clip, a extraordinária banda sonora, uma certa incerteza se o filme respeitava as personagens, as situações, os bairros de lata de Bombaim, a Índia, ou, se pelo contrário, apenas pretendia retirar benefício daquelas crianças miseráveis, da extrema pobreza, da miséria humana, instrumentalização de todos esses clichés (ou dessa realidade) para seduzir Hollywood, o mundo, tendo como fim máximo prémios e mais prémios, milhões e mais milhões, como no concurso que estava a ser filmado. Senti que o filme não era honesto. Senti que a emoção foi construída e não vivida e filmada com entrega. Senti, isso hoje, alguma repugnância por toda essa mistura e por não ter acreditado que o filme foi feito com alma mas apenas com um objectivo especifico: prémios, dinheiro, muito mais do que os dois milhões de rupias - o prémio conseguido por Jamal K. Malik. A outro nível, parece-me, até, que toda a história contada se assemelharia (impressões) à carreira comercial e aos milhões pretendidos pelas imagens filmadas. Nada de muito censurável mas que soa a enganador. Um filme ou um objecto a rentabilizar? Além disso, a mistura Hollywood/Bollywood raiou o caricato. As imagens finais, esteticamente atraentes/repulsivas, poderiam ser imagens iguais aos milhões de filmes feitos em Bollywood. A realidade a que assistimos em Slumdog Millionaire poderia ser um desses filmes de Bollywood, com mais crueza, um pouco mais de introspecção, onde os heróis ultrapassam tudo depois de sofrerem todos os males do mundo. No meio disto tudo, lembrei-me de Cidade de Deus (Fernando Meireles, 2002) e de Oliver Twist (Roman Polanski, 2005). Podemos comparar Slumdog Millionaire a Cidade de Deus, a mesma estética, o mesmo frenesim, o mesmo ritmo alucinante, as favelas em diferentes locais do mundo? Podemos comparar Slumdog Millionaire a Oliver Twist, ao universo de Charles Dickens, ao relato das aventuras e desventuras de um rapaz órfão nas miseráveis ruas de Londres do século XIX? Ou seja, a suposta originalidade de Slumdog Millionaire não é mais do que um verdadeiro aproveitamento da miséria – onde o triunfo da bondade prevalecerá sempre contra todas as adversidades? Como em Cidade de Deus, mas este com mais emoção e mais honestidade. Como em Oliver Twist, mas este com mais pureza e muita mais bondade. Ou seja, Slumdog Millionaire pareceu-me um filme bem mais convencional do que à partida pretendia. Ou seja, é um filme bem menos conseguido do que à primeira impressão aparenta. Ou seja, concluindo, é um filme aparentemente enganador. No fim do filme estamos atordoados com a estética e a miséria que nos impuseram. A seguir, uma sensação de déjà vu e uma certa repugnância porque o objectivo do filme parece ser o mesmo dos maus e cruéis que perseguem as pobres crianças na miséria de Bombaim. E sem poesia, como em Oliver Twist. E sem emoção, como em Cidade de Deus. Um filme aparentemente (repito) enganador e desonesto. Contudo, um filme a ver. Sem brilho. Sem inspiração. Ou uma inspiração meramente aparente. Impressões, impressões aparentes. Ontem gostei. Hoje, nem por isso.

Slumdog Millionaire, 2008
Danny Boyle

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