Inspirado no documentário de José Padilha (2002), “Última Parada 174”, nas palavras do realizador, é um filme “sobre a condição humana e não sobre a condição social do Brasil”. Apesar destas palavras, ditas pelo próprio realizador, não posso concordar com a última parte. Melhor, é um filme mais sobre a condição humana do que sobre a condição social do Brasil. Ou foi até mesmo isso que Bruno Barreto quis dizer. Favela, tráfico, morte, sangue, massacre da Candelária, toxicodependência, cheira cola, assaltos, meninos de rua, Copacabana, violência, marginalidade, tudo é narrado com absoluta crueza, com uma desumanidade que fere, realidade ou ficção, para nós, os não brasileiros, parece ficção. Não pode ser assim como estamos a ver! Mas é. Será. O desinteresse total pela vítima, a indiferença absoluta pela morte. A mim parece-me o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. Estive lá, pressenti. Desculpem. O filme é sobre a condição humana. O filme é sobre a condição social do Brasil. A história, baseada em acontecimentos reais, muito ficcionada, conta o trajecto de uma mãe que perde um filho e de um filho que perde a mãe. É a história de Sandro, de como ele parte para Copacabana, zona Sul do Rio, de como ele deambula pelo centro do Rio, de como vive na rua à beira da Igreja da Candelária, de como sobreviveu ao massacre que aí ocorreu e a outros massacres noutras favelas do Rio, das suas aventuras e desventuras, das prisões cariocas onde esteve, de um menino que ninguém vê, que ninguém quer ver. O Rio não pode ser isso, não queremos que seja, o Rio é a Cidade Maravilhosa. Ambos, o filho e a hipotética mãe, lutam contra a invisibilidade social. A mãe conforma-se e refugia-se nas igrejas paralelas e em Deus; o menino quer que o vejam - ninguém o vê, que o queiram - ninguém o quer. A invisibilidade social não pode permitir tudo, não pode permitir as imagens a que vamos assistimos, não podem sobretudo desculpabilizar tamanha violência. Algo está mal. O quê? O Rio de Janeiro é a cidade mais bonita do mundo, ainda por cima, e isso torna tudo ainda mais chocante. Sandro conseguiu visibilidade da pior forma, o título do filme (no original) significa exactamente isso. Foi a sua última parada, o autocarro 174. E, nesse dia, em directo, todas as televisões do mundo o viram. Arnaldo Jabor, jornalista e cineasta, que muito admiro, não tem medo, não quer esconder a sua cidade (o seu país), e refere a propósito desta história: "Ônibus 174, além de ser um dos melhores filmes de nosso cinema, é um crescimento para nossa consciência política. Vejam esse filme, vejam esse filme, chorem com ele! Falem para todos que não dá mais pé vermos o show da miséria que começa com menininhos fazendo malabarismos nos sinais de trânsito e termina tratando-os como ratos mortos à nossa frente." Não sei se o disse a propósito deste filme ou do documentário de José Padilha. Mas demonstra coragem, demonstra consciência. Como dizia Jean Jacques Rousseau: "O homem nasce bom e a sociedade corrompe-o". Se há outros filmes sobre favelas, tais como, Cidade de Deus e Tropa de Elite, mais bem conseguidos, mais geniais? Se temos sido bombardeados com este tipo de assuntos pelo novo cinema brasileiro? Sim, há. Sim, são. Sim, somos. Mas isso pouco importa. Este é um bom filme. Este é um muito bom filme para ver.
Última Parada 174, 2008
Bruno Barreto
Curiosidade: Bruno Barreto e Arnaldo Jabor são meus “velhos conhecidos”. O primeiro fez o filme “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976); o segundo fez o filme “ Eu te amo” (1981). Sónia Braga era a estrela em ambos. E cheirava a cravo e a canela. Dava para sentir !
1 comentário:
Desde o primeiro dia que li a sinopse interessei-me pelo filme. Mas ainda não tive oportunidade de ver.
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